domingo, 2 de novembro de 2014

“Cidade”, de Nelson Rodrigues


Cidade
Nelson Rodrigues
Com André Sant, Anna, Carlito Azevedo, Aldir Blanc, Veronica Stigger e Suzana Flagg
Editora Nova Fronteira



Não tive oportunidade de estudar a obra de Nelson Rodrigues. Ao que parece, seu nome não se encontra no cânone da literatura brasileira. Uma pena!...
A despeito disso, há gente pesquisando sobre o escritor e sempre há algo de sua obra sendo (re)editado, (re)comentado, (re)apresentado, afinal, trata-se de uma grande obra e de uma obra grande: os textos de qualidade, numa linguagem peculiar, estão expressos em peças teatrais, roteiros para TV e cinema, contos, crônicas e folhetins.
Conheci Nelson Rodrigues pelos textos da telinha. Vi alguns episódios que foram filmados a partir de suas crônicas e gostei bastante. Apesar de me surpreender, muitas vezes com a objetividade de sua linguagem ao tentar mostrar a vida cotidiana.
Em 2012, por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Nelson Rodrigues, o Festival de Inverno do SESC trouxe a peça teatral “O beijo no asfalto” para Friburgo. Surpreendentemente interessante, foi uma experiência bastante diferente para mim.
Ao me deparar, há poucos meses, com o livro “Cidade”nas prateleiras de uma livraria, não resisti e o comprei. Trata-se de um livro que começou a ser escrito por Nelson Rodrigues, mas ao qual ele não pôde dar continuidade devido a problemas de saúde que se agravaram ao final de sua vida, levando-o à morte no final de 1980.
A Editora Nova Fronteira convidou quatro destaques da literatura brasileira contemporânea para continuarem a história. O resultado é sensacional. Uma trama instigante, personagens bem desenhados, final de tirar o fôlego.
Vale a pena a leitura!

“Caiu num silêncio sombrio e obstinado, lançando à irmã olhares furtivos e medrosos. Ela, por sua vez, sentia uma angústia nascente. Inquietava-se, prevendo que aquele encontro lhe faria mal.
- Vês? – falou Claudio numa voz sumida. – Ainda agora não sofria e agora sofro.
Continuou, sem olhar para a irmã:
- Às vezes, penso que vou ficar louco.
Tinha na boca uma prega de ferocidade. Mas – coisa estranha – a hipótese da loucura, longe de apavorá-lo, deleitava-o inexplicavelmente.”


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sobre perguntas e Perguntas

Uma criança com “cabeça na lua” às vezes irrita tanto os adultos...
E “ao voltarem à Terra” geralmente elas têm muitas perguntas a fazer, pensadas na sua “viagem”. Perguntas às quais nem sempre sabemos responder...
Porque perdemos a capacidade de perguntar, ao crescermos, temos dificuldades de responder aos questionamentos das crianças, que vão muito além das situações concretas e reais. As crianças perguntam também sobre possibilidades; elas levantam hipóteses. Tolhida nossa capacidade de imaginação e pouco desenvolvida nossa criatividade, o que acontece é que tememos essas perguntas...
O livro “Valentina cabeça na Lua”, de Adriana Falcão, fala sobre esse universo criativo, imaginativo e perguntador das crianças. E sobre a enfadonha realidade a que os adultos se submetem. Com uma narrativa leve, simples e muito poética, a autora vai brincando com o significado de “ter a cabeça no mundo da lua”.
Valentina é uma menina esperta, inteligente, sensível e criativa que tem tudo arrumado na sua cabeça, conforme lhe haviam ensinado. Mas tinha muito mais, que existia somente na sua cabeça e isso morava na Lua.
“Para ela, a Lua é o lugar onde vivem os melhores pensamentos das pessoas 
e as respostas das perguntas sem resposta.
Perguntas sem resposta, segundo Valentina, 
eram aquelas que nasciam dentro da emoção da gente, 
num lugar sem tempo nem espaço.
Perguntas sem resposta eram perguntas de verdade.
Perguntas, perguntas.
Dessas que a gente fica horas pensando na pergunta, e não na resposta.” (pp. 08-11)


Ah... as crianças! Sabem sobre a vida melhor do que nós, adultos.


Valentina Cabeça na Lua
Adriana Falcão
Ed. Salamandra

domingo, 30 de março de 2014

O que descobrimos que somos

Acabei me rendendo a mais uma autobiografia. A autora me chamou a atenção por ser uma jornalista, cuja escrita já havia me impressionado em duas ou três de suas crônicas.
O formato do livro e o que dizia na capa: “De quantos nascimentos e mortes se constitui uma vida? De quantos partos uma precisa para nascer? Com quantas palavras se faz um corpo?” me convenceram por completo.
Cento e quarenta e duas páginas lidas em dois dias (em meio a trabalho, estudo, filhos, marido). Um furacão de pensamentos e sentimentos. Uma tristeza ao chegar ao fim e o desejo de iniciar o livro novamente.
Eliane escreve sobre si mesma, relatando fatos, de uma forma diferente das biografias em geral. O fato é um detalhe para falar de si mesma, de sua identidade, de sua construção pessoal. Não há avaliações nem lições; apenas uma franqueza inacreditável e um talento admirável para lidar com as palavras.

“Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar.” (p. 70)

Família, política, religião, educação escolar – o livro passeia sobre tudo, com algumas passagens divertidas e todas muito interessantes. E uma reflexão constante, insistente e profunda sobre Ser. E sobre como as palavras fizeram a autora Tornar-se.


"Pela palavra escrita eu tornava-me capaz de transcender o concreto, transformar impotência em potência. Fui salva pela palavra escrita quando comecei a ler - e(talvez) em definitivo quando escrevi. E - importante - quando fui lida." (p.110)

Um livro que dói na gente... Que faz pensar sobre como nos (des/re)construímos desde a infância e por toda a vida.

sábado, 29 de março de 2014

Liberdade e Escravidão

Doze anos de escravidão
Solomon Northup
Penguin Companhia

Tenho um pouco de resistência às autobiografias, especialmente se forem de celebridades. Sempre me parece que essas pessoas querem se expor um pouco mais em troca de holofotes. Resisto, também, a ler livros depois que foram filmados e viraram sucesso. Uma espécie de pirraça minha, eu sei.
Dessa vez, no entanto, algo diferente me moveu e decidi ler o livro só por causa do filme (que não vi ainda, mas sobre o qual muito se falou, afinal teve várias indicações ao Oscar, alcançando duas delas). O assunto me interessa muito, pois está entre meus objetos de estudo e foi uma motivação para a aquisição do livro.
Não há nada demais em termos literários. Mas a história é bem contada e há belíssimas reflexões de vida sobre liberdade e escravidão, que nos fazem pensar dolorosamente sobre a capacidade que umas pessoas têm de subjugar outras. Inacreditável, revoltante e triste, muito triste.
A narrativa é bastante detalhista e isso cansa um pouco. No entanto, li rapidamente, sofrendo com muitas das passagens e experimentando sentimentos diversos, principalmente piedade e admiração. Sem dúvida, é um grande exemplo de fé e perseverança em circunstâncias tão adversas. Se o filme foi capaz de manter essa essência, com certeza trata-se de maravilhosa obra.


“Houvera momentos em minha infeliz vida, muitos, em que o vislumbre da morte como o fim de sofrimentos terrenos – do túmulo como um local de descanso para um corpo cansado e alquebrado – tinha sido agradável de imaginar. Mas tal contemplação desaparece na hora do perigo. Nenhum homem, em posse de suas forças, consegue ficar imperturbável na presença do ‘rei dos horrores’. A vida é cara a qualquer coisa viva; o verme rastejante lutará por ela.” (p. 110)

quarta-feira, 5 de março de 2014

Chegando ao fim

Gosto dos personagens de Fernanda Torres, embora prefira mais o estilo moderno, mas contido de "Entre tapas e beijos" do que o moderno escrachado de "Os Normais".
Li uma ou outra crônica dela e gosto do jeito simples e interessante com que ela trata de questões do cotidiano, com certo toque de irreverência e humor.
Ao ver o livro "Fim" na livraria, tive vontade de ler, porque a autora é Fernanda Torres. Lendo a sinopse, vi que gostaria de ler sobre personagens contemporâneos, em plena velhice. E li rápido, querendo descobrir mais sobre cada um dos personagens,entender um pouco sobre as trajetórias e conhecer como chegaram ao fim. Leitura gostosa, não exatamente leve, em virtude de passagens um tanto reais demais... Mas o prazer desse livro está nisso também.
Personagens cariocas, vivendo e morrendo na cidade maravilhosa. Cinco capítulos, cada um sobre um personagem, com os entrelaces de suas histórias.
São cinco amigos e a narrativa conta até a morte de cada um deles, relembrando fatos passados e atualizando o leitor sobre as circunstâncias atuais da vida de cada um deles.
Humor quase sempre sarcástico na boca de cada um dos personagens, que são narradores nos capítulos que têm seus nomes.
Ambiente físico e psicológico da Copacabana das décadas de 1950/1960, quando os personagens viveram sua juventude. Um interessante mergulho na cabeça desses homens, especialmente nas suas relações com o trabalho e com as mulheres – todas, de modo geral, e, especificamente, com aquelas com quem mantiveram relação estável. Um olhar um tanto duro e cético sobre o casamento e o amor. E muito franco sobre o sexo.
O título do livro apresenta o que o livro se propõe: apresentar o fim de cada um dos cinco amigos, já na velhice. Interessante pensar que é uma mulher escrevendo sobre o universo masculino, quando é tão comum que a ocorrência do contrário disso.... Mais interessante ainda é observar como são traçados os homens e as mulheres do livro. Curiosamente, eles morrem primeiro do que elas, dentro do núcleo dos personagens principais.
Não se trata de uma reflexão sobre a vida, a meu ver, mas muito mais de uma constatação de muitas situações corriqueiras de uma geração. Ou, quem sabe, de todas as gerações, guardadas as devidas peculiaridades de cada uma delas. Se há...
Bom, porque faz rir e faz pensar! 

Diretamente da 'orelha'do livro:




"Humor sem superficialidade, 
lirismo sem cafonice, 
complexidade sem afetação: 
de que mais precisa um romance para dizer a que veio?"




Fim
Fernanda Torres
Companhia das Letras
2013