segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Essa Menina, de Tina Correia



Essa Menina - de Paris a Paripiranga
Tina Correia
Ed. Alfaguara
2016

Acabo de me despedir d'Essa Menina. E estou triste, como fico em toda despedida. Não gosto de separações. 
Na verdade, porém, não vou me separar dela. Além de ficar pra sempre na minha memória, estará dentro do livro, bem guardado na minha estante e poderei recorrer a ele sempre que a saudade apertar. 

"Essa Menina", romance de estreia de Tina Correia, é daqueles livros que recomendo a todos e não empresto a ninguém. Possessivamente, não consigo deixá-lo sair de minhas vistas. Preciso dele por perto, pra poder voltar a tocá-lo sempre que a vontade apertar; ou para simplesmente admirá-lo. 

Estive no lançamento do livro, na FLIM, em agosto do ano passado; a FLIM sempre me traz lindos presentes. 
Conhecer Tina Correia e vê-la apresentar seu livro foi maravilhoso! E o presente ainda veio com um bônus: Tina aceitou participar de uma mesa com Zuenir Ventura, o homenageado da FLINF, em outubro. Só lindezas!!! E eu, sortuda, ainda pude levar os dois, seus cônjuges e mais alguns amigos pra jantar. Que ano! 

O livro, que ganhei na FLIM, só li agora, estreando as leituras de 2017. E foi a minha melhor escolha para começar um novo ano. 
No primeiro dia, li muito; achei que o terminaria com um dia de leitura. Mas tive pena que acabasse e fui lendo devagar, degustando, trazendo à tona minhas próprias memórias desse interior nordestino concretizado em alimentos, pratos, costumes, palavras que me fora apresentado por meus pais, durante toda a minha infância. Era preciso, também, refletir sobre as questões políticas e religiosas tão presentes no texto que me remeteram às minhas próprias angústias d indagações sobre o correr da vida. 

Obrigada, Tina! Por essa narrativa tão deliciosa de acompanhar; por essa história tão bela e tão rica; por esse testemunho de esperança! 
Fico torcendo pra que haja o próximo livro, pois já sou fã da escritora Tina Correia. 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Sobre o Amor e modos de amar

QUERIA VER VOCÊ FELIZ
Adriana Falcão
Editora Intrínseca

Adriana Falcão é uma de minhas autoras contemporâneas favorita. Sua linguagem clara e bela, tratando de assuntos do cotidiano, recheados pelos sentidos que são construídos por cada um de nós diante das experiências da vida, me fascina. Quisera eu saber falar sobre a realidade de um modo tão simples e, ao mesmo tempo, profundo, como Adriana o faz.
Vi uma breve entrevista sua sobre seu mais recente trabalho, lançado em outubro de 2014,  e me senti intrigada a conhecê-lo. No sábado, deparei-me com esse livro na estante de uma livraria e logo o reconheci. Comprei-o e o li em 24 horas. Intenso!
“Queria ver você feliz” tem como narrador o Amor, que assim se apresenta:
“Não tenho sexo. Não tenho corpo. 
Não sou mortal nem imortal, visto que morro mas renasço, e volto a morrer e a renascer até o infinito. 
Sou um teimoso. Há quem tente me prender, há quem tente me entender, há quem tente me explicar, 
nada disso é muito fácil.
(...)
Há quem me chame de Eros, Kama, Philea, Ahava, há quem me chame de Amor, há quem me chame de Love.
Como ter certeza de que eu sou eu de verdade?
Dou minha palavra.” (p.9)

O livro conta a história de como o Amor atingiu e uniu o casal Maria Augusta e Caio – personagens não fictícios, pais de Adriana Falcão. Entremeando e dando sentido à narrativa, estão as cartas de amor que os dois trocaram durante o período de namoro (que, por muito tempo, foi proibido), noivado, e após o casamento, em virtude das viagens que Caio fazia a trabalho e, em dado momento, no tempo em que Maria Augusta esteve internada num hospital psiquiátrico, após o nascimento da segunda filha.
Dedicados a fazerem um ao outro feliz, empenhados em que sua relação desse certo, Maria Augusta e Caio fizeram promessas e juras de amor eterno, fielmente cumpridas. Só a morte foi capaz de separar o casal, que viveu intensamente as agruras de suas personalidades marcantes e temperamentos um tanto conturbados (ela, intensamente ansiosa; ele, profundamente melancólico). Mas, como diz o narrador, em determinando momento da história:
“Serão mesmo normais as pessoas ditas normais? O que é normal e o que não é? 
Qual a diferença entre um sanatório e uma repartição pública?
(...)
As pessoas não são normais, concluo.
Que sorte a minha.” (pp.. 118-119)

Parte da resenha publicada no site da editora diz o seguinte:
“Angústia, melancolia, saudade, ira, ciúmes, carinho, prazer, solidão, ansiedade – todos esses sentimentos eram exacerbados e muitas vezes descabidos. No final das contas, o leitor percebe que Maria Augusta era, sim, impulsiva e dramática ─ apenas para citar duas características de uma mulher cheia de camadas ─, mas que o seu desejo sempre foi fazer Caio feliz. E vice-versa.”

Continuo sentindo o livro... Por sua beleza, expressa em alegrias e tristezas. Não é um livro para qualquer momento. Mas é um livro, certamente, para ser relido.
Finalizo, trazendo novamente as palavras de Amor:

“Sou um sentimento sublime. Posso ser largo, livre alegre. 
Não exerço domínio sobre quem ama. E tem mais: nem todo coração tem a honra de me receber, 
não bato em qualquer porta, sou seletivo.
Uma dica para quem tiver a sorte de me encontrar: me trate como uma flor. Então, aproveite.” (p. 81)


domingo, 2 de novembro de 2014

“Cidade”, de Nelson Rodrigues


Cidade
Nelson Rodrigues
Com André Sant, Anna, Carlito Azevedo, Aldir Blanc, Veronica Stigger e Suzana Flagg
Editora Nova Fronteira



Não tive oportunidade de estudar a obra de Nelson Rodrigues. Ao que parece, seu nome não se encontra no cânone da literatura brasileira. Uma pena!...
A despeito disso, há gente pesquisando sobre o escritor e sempre há algo de sua obra sendo (re)editado, (re)comentado, (re)apresentado, afinal, trata-se de uma grande obra e de uma obra grande: os textos de qualidade, numa linguagem peculiar, estão expressos em peças teatrais, roteiros para TV e cinema, contos, crônicas e folhetins.
Conheci Nelson Rodrigues pelos textos da telinha. Vi alguns episódios que foram filmados a partir de suas crônicas e gostei bastante. Apesar de me surpreender, muitas vezes com a objetividade de sua linguagem ao tentar mostrar a vida cotidiana.
Em 2012, por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Nelson Rodrigues, o Festival de Inverno do SESC trouxe a peça teatral “O beijo no asfalto” para Friburgo. Surpreendentemente interessante, foi uma experiência bastante diferente para mim.
Ao me deparar, há poucos meses, com o livro “Cidade”nas prateleiras de uma livraria, não resisti e o comprei. Trata-se de um livro que começou a ser escrito por Nelson Rodrigues, mas ao qual ele não pôde dar continuidade devido a problemas de saúde que se agravaram ao final de sua vida, levando-o à morte no final de 1980.
A Editora Nova Fronteira convidou quatro destaques da literatura brasileira contemporânea para continuarem a história. O resultado é sensacional. Uma trama instigante, personagens bem desenhados, final de tirar o fôlego.
Vale a pena a leitura!

“Caiu num silêncio sombrio e obstinado, lançando à irmã olhares furtivos e medrosos. Ela, por sua vez, sentia uma angústia nascente. Inquietava-se, prevendo que aquele encontro lhe faria mal.
- Vês? – falou Claudio numa voz sumida. – Ainda agora não sofria e agora sofro.
Continuou, sem olhar para a irmã:
- Às vezes, penso que vou ficar louco.
Tinha na boca uma prega de ferocidade. Mas – coisa estranha – a hipótese da loucura, longe de apavorá-lo, deleitava-o inexplicavelmente.”


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Sobre perguntas e Perguntas

Uma criança com “cabeça na lua” às vezes irrita tanto os adultos...
E “ao voltarem à Terra” geralmente elas têm muitas perguntas a fazer, pensadas na sua “viagem”. Perguntas às quais nem sempre sabemos responder...
Porque perdemos a capacidade de perguntar, ao crescermos, temos dificuldades de responder aos questionamentos das crianças, que vão muito além das situações concretas e reais. As crianças perguntam também sobre possibilidades; elas levantam hipóteses. Tolhida nossa capacidade de imaginação e pouco desenvolvida nossa criatividade, o que acontece é que tememos essas perguntas...
O livro “Valentina cabeça na Lua”, de Adriana Falcão, fala sobre esse universo criativo, imaginativo e perguntador das crianças. E sobre a enfadonha realidade a que os adultos se submetem. Com uma narrativa leve, simples e muito poética, a autora vai brincando com o significado de “ter a cabeça no mundo da lua”.
Valentina é uma menina esperta, inteligente, sensível e criativa que tem tudo arrumado na sua cabeça, conforme lhe haviam ensinado. Mas tinha muito mais, que existia somente na sua cabeça e isso morava na Lua.
“Para ela, a Lua é o lugar onde vivem os melhores pensamentos das pessoas 
e as respostas das perguntas sem resposta.
Perguntas sem resposta, segundo Valentina, 
eram aquelas que nasciam dentro da emoção da gente, 
num lugar sem tempo nem espaço.
Perguntas sem resposta eram perguntas de verdade.
Perguntas, perguntas.
Dessas que a gente fica horas pensando na pergunta, e não na resposta.” (pp. 08-11)


Ah... as crianças! Sabem sobre a vida melhor do que nós, adultos.


Valentina Cabeça na Lua
Adriana Falcão
Ed. Salamandra

domingo, 30 de março de 2014

O que descobrimos que somos

Acabei me rendendo a mais uma autobiografia. A autora me chamou a atenção por ser uma jornalista, cuja escrita já havia me impressionado em duas ou três de suas crônicas.
O formato do livro e o que dizia na capa: “De quantos nascimentos e mortes se constitui uma vida? De quantos partos uma precisa para nascer? Com quantas palavras se faz um corpo?” me convenceram por completo.
Cento e quarenta e duas páginas lidas em dois dias (em meio a trabalho, estudo, filhos, marido). Um furacão de pensamentos e sentimentos. Uma tristeza ao chegar ao fim e o desejo de iniciar o livro novamente.
Eliane escreve sobre si mesma, relatando fatos, de uma forma diferente das biografias em geral. O fato é um detalhe para falar de si mesma, de sua identidade, de sua construção pessoal. Não há avaliações nem lições; apenas uma franqueza inacreditável e um talento admirável para lidar com as palavras.

“Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar.” (p. 70)

Família, política, religião, educação escolar – o livro passeia sobre tudo, com algumas passagens divertidas e todas muito interessantes. E uma reflexão constante, insistente e profunda sobre Ser. E sobre como as palavras fizeram a autora Tornar-se.


"Pela palavra escrita eu tornava-me capaz de transcender o concreto, transformar impotência em potência. Fui salva pela palavra escrita quando comecei a ler - e(talvez) em definitivo quando escrevi. E - importante - quando fui lida." (p.110)

Um livro que dói na gente... Que faz pensar sobre como nos (des/re)construímos desde a infância e por toda a vida.

sábado, 29 de março de 2014

Liberdade e Escravidão

Doze anos de escravidão
Solomon Northup
Penguin Companhia

Tenho um pouco de resistência às autobiografias, especialmente se forem de celebridades. Sempre me parece que essas pessoas querem se expor um pouco mais em troca de holofotes. Resisto, também, a ler livros depois que foram filmados e viraram sucesso. Uma espécie de pirraça minha, eu sei.
Dessa vez, no entanto, algo diferente me moveu e decidi ler o livro só por causa do filme (que não vi ainda, mas sobre o qual muito se falou, afinal teve várias indicações ao Oscar, alcançando duas delas). O assunto me interessa muito, pois está entre meus objetos de estudo e foi uma motivação para a aquisição do livro.
Não há nada demais em termos literários. Mas a história é bem contada e há belíssimas reflexões de vida sobre liberdade e escravidão, que nos fazem pensar dolorosamente sobre a capacidade que umas pessoas têm de subjugar outras. Inacreditável, revoltante e triste, muito triste.
A narrativa é bastante detalhista e isso cansa um pouco. No entanto, li rapidamente, sofrendo com muitas das passagens e experimentando sentimentos diversos, principalmente piedade e admiração. Sem dúvida, é um grande exemplo de fé e perseverança em circunstâncias tão adversas. Se o filme foi capaz de manter essa essência, com certeza trata-se de maravilhosa obra.


“Houvera momentos em minha infeliz vida, muitos, em que o vislumbre da morte como o fim de sofrimentos terrenos – do túmulo como um local de descanso para um corpo cansado e alquebrado – tinha sido agradável de imaginar. Mas tal contemplação desaparece na hora do perigo. Nenhum homem, em posse de suas forças, consegue ficar imperturbável na presença do ‘rei dos horrores’. A vida é cara a qualquer coisa viva; o verme rastejante lutará por ela.” (p. 110)

quarta-feira, 5 de março de 2014

Chegando ao fim

Gosto dos personagens de Fernanda Torres, embora prefira mais o estilo moderno, mas contido de "Entre tapas e beijos" do que o moderno escrachado de "Os Normais".
Li uma ou outra crônica dela e gosto do jeito simples e interessante com que ela trata de questões do cotidiano, com certo toque de irreverência e humor.
Ao ver o livro "Fim" na livraria, tive vontade de ler, porque a autora é Fernanda Torres. Lendo a sinopse, vi que gostaria de ler sobre personagens contemporâneos, em plena velhice. E li rápido, querendo descobrir mais sobre cada um dos personagens,entender um pouco sobre as trajetórias e conhecer como chegaram ao fim. Leitura gostosa, não exatamente leve, em virtude de passagens um tanto reais demais... Mas o prazer desse livro está nisso também.
Personagens cariocas, vivendo e morrendo na cidade maravilhosa. Cinco capítulos, cada um sobre um personagem, com os entrelaces de suas histórias.
São cinco amigos e a narrativa conta até a morte de cada um deles, relembrando fatos passados e atualizando o leitor sobre as circunstâncias atuais da vida de cada um deles.
Humor quase sempre sarcástico na boca de cada um dos personagens, que são narradores nos capítulos que têm seus nomes.
Ambiente físico e psicológico da Copacabana das décadas de 1950/1960, quando os personagens viveram sua juventude. Um interessante mergulho na cabeça desses homens, especialmente nas suas relações com o trabalho e com as mulheres – todas, de modo geral, e, especificamente, com aquelas com quem mantiveram relação estável. Um olhar um tanto duro e cético sobre o casamento e o amor. E muito franco sobre o sexo.
O título do livro apresenta o que o livro se propõe: apresentar o fim de cada um dos cinco amigos, já na velhice. Interessante pensar que é uma mulher escrevendo sobre o universo masculino, quando é tão comum que a ocorrência do contrário disso.... Mais interessante ainda é observar como são traçados os homens e as mulheres do livro. Curiosamente, eles morrem primeiro do que elas, dentro do núcleo dos personagens principais.
Não se trata de uma reflexão sobre a vida, a meu ver, mas muito mais de uma constatação de muitas situações corriqueiras de uma geração. Ou, quem sabe, de todas as gerações, guardadas as devidas peculiaridades de cada uma delas. Se há...
Bom, porque faz rir e faz pensar! 

Diretamente da 'orelha'do livro:




"Humor sem superficialidade, 
lirismo sem cafonice, 
complexidade sem afetação: 
de que mais precisa um romance para dizer a que veio?"




Fim
Fernanda Torres
Companhia das Letras
2013