sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A dor azul


A dor azul
Adriana Falcão[i]


A menina sentia uma dor azul, todos os dias, ali pelas cinco horas da tarde.
Não era uma dor grandona de puxar o choro pra fora. Era só uma dorzinha. Mas era bem azulzona.
Achavam que era maluquice. “Dor não tem cor!”
Mas como a dor azul não passava, começaram a achar que ela doía mesmo.
Levaram a menina para todos os médicos do mundo, fizeram todos os exames que existiam, e ninguém descobriu o que era aquilo. Procuraram então um psicólogo e é claro que ela achou que aquilo era psicológico.
A dor azul não queria nem saber. Ia e vinha. Sempre na mesma hora.
As horas foram passando e o azul da dor continuava colorindo as tardes da menina. Só as tardes.
De manhã, ela sentia uma saudade lilás. E à noite um desejo prata ela não sabia de quê.
A menina cresceu. E um dia conheceu um rapaz que sentia uma vontade violeta de espirrar nas manhãs nubladas.
Eles se gostaram, um gostar laranja que foi se avermelhando sem parar, até que se casaram, numa noite dourada de alegria, cheia de luzinhas rosas de paixão.
Um ano depois, numa madrugada de cheiros cor-de-rosa, ela teve uma filhinha. E nunca ela tinha sentido um carinho tão verde em toda sua vida.
A filha da menina, quando cresceu, herdou a vontade violeta de espirrar do pai e, da mãe, o desejo prateado.
A dor azul nunca mais apareceu.
E a menina, que já era uma mulher, descobriu que o nome da dor azul, como está no dicionário, é desassossego.
E que esse desassossego queria dizer, mais ou menos, em palavras de adulto: “Como será minha vida daqui pra frente?”.


[i] FALCÃO, Adriana. Sete histórias para contar. São Paulo: Moderna, 2008

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